24 de novembro de 2008

Lua adversa Cecília Meirelles



Lua adversa

Cecília Meireles


Tenho fases, como a lua

Fases de andar escondida,

fases de vir para a rua...

Perdição da minha vida!

Perdição da vida minha!

Tenho fases de ser tua,

tenho outras de ser sozinha


Fases que vão e que vêm,

no secreto calendário

que um astrólogo arbitrário

inventou para meu uso.


E roda a melancolia

seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém

(tenho fases, como a lua...)

No dia de alguém ser meu

não é dia de eu ser sua...

E, quando chega esse dia,

o outro desapareceu...

O meu olhar - Alberto Caeiro


O Meu Olhar


O meu olhar é nítido como um girassol.

Tenho o costume de andar pelas estradas

Olhando para a direita e para a esquerda,

E de, vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento

É aquilo que nunca antes eu tinha visto,

E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo essencial

Que tem uma criança se, ao nascer,

Reparasse que nascera deveras...

Sinto-me nascido a cada momento

Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,

Porque o vejo. Mas não penso nele

Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele

(Pensar é estar doente dos olhos)

Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,

Mas porque a amo, e amo-a por isso,

Porque quem ama nunca sabe o que ama

Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...

Amar é a eterna inocência,

E a única inocência não pensar...

(Alberto Caeiro)


Primavera


Primavera gentil dos meus amores,



- Arca cerúlea de ilusões etéreas,


Chova-te o Céu cintilações sidéreas


E a terra chova no teu seio flores!



Esplende, Primavera, os teus fulgores,


Na auréola azul dos dias teus risonhos,


Tu que sorveste o fel das minhas dores


E me trouxeste o néctar dos teus sonhos!


Cedo virá, porém, o triste outono,

Os dias voltarão a ser tristonhos

E tu hás de dormir o eterno sono,

Num sepulcro de rosas e de flores,

Arca sagrada de cerúleos sonhos,

Primavera gentil dos meus amores!


( Augusto dos Anjos)

A minha estrela

E eu disse - Vai-te, estrela do Passado!


Esconde-te no Azul da Imensidade,


Lá onde nunca chegue esta saudade,


- A sombra deste afeto estiolado.




Disse, e a estrela foi p’ra o Céu subindo,


Minh’alma que de longe a acompanhava,


Viu o adeus que do Céu ela enviava,


E quando ela no Azul foi-se sumindo




Surgia a Aurora - a mágica princesa!


E eu vi o Sol do Céu iluminando


A Catedral da Grande Natureza.




Mas a noute chegou, triste, com ela


Negras sombras também foram chegando,


E nunca mais eu vi a minha estrela!




(Augusto dos Anjos)